Inspirado pela poesia de Cecília Meireles e pela magia do mundo de Alice no país das maravilhas, explora-se a dualidade entre a mente e o corpo nessa nova fase da vida.
Reflexões de aniversário
Nunca fui dada a fazer reflexões em meu aniversário, mas ultimamente isso tem acontecido. Estou prestes a completar 64 anos, mas me sinto como se tivesse 35! É verdade, a idade não existe em nossa mente. No entanto, muitas vezes não reconheço meu reflexo no espelho. Em meu corpo, ainda sinto a energia dos 40 anos, tenho a força dos 30, a maturidade dos 50 e a vontade de viver dos 20.
A reflexão sobre o reflexo
Lembro-me frequentemente da poesia de Cecília Meireles, Retrato, onde ela faz a pergunta: "Em qual espelho ficou retida a minha face?". Essa pergunta ressoa profundamente nesta nova fase de autodescoberta. À medida que os anos avançam, não reconheço meu reflexo físico. É muito fácil e clichê pensar que minha nova face traz consigo a sabedoria dos anos vividos, a maturidade exercida com coragem, ou que cada ruga carrega uma história. Embora tudo isso seja verdade, não encontro relação com a imagem que gostaria de ter. Não que eu seja uma pessoa inconformada com o envelhecimento, muito pelo contrário, vejo inúmeras vantagens nesta fase em relação à juventude, inúmeras. No entanto, existe sim uma fase de adaptação mental, pois o cérebro tem dificuldades em reconhecer o envelhecimento do corpo.
Pergunto-me: será que sou a única pessoa que se sente assim? Creio que não. Uma das pesquisas desenvolvidas sobre a autoimagem e o envelhecimento demonstra que muitas mulheres relatam ter problemas com o peso, evidenciando uma percepção desfavorável do envelhecimento. Neste estudo, constatou-se que as mulheres estão cientes de seu envelhecimento, de sua idade e das transformações corporais durante este processo, no entanto, elas se sentem insatisfeitas com sua imagem corporal e tendem a acreditar que o envelhecimento tem um impacto negativo em suas vidas.*
Em minha opinião pessoal, um dos maiores problemas em relação ao envelhecimento é 'romantizar' esta fase. Uma coisa é abraçar a maturidade com coragem, outra é a ideologia de que "precisamos assumir a palavra velho e a velhice". (aff!)
Será?
A reflexão de Cecília Meireles
Cecília Meireles deu um significado ampliado para esta fase em sua poesia "Retrato", refletindo sobre a identidade e a passagem do tempo. Ela se surpreende ao se deparar com sua imagem refletida no espelho, a aparente ausência de vitalidade, a amargura nos lábios, as mãos sem força paradas e frias, e um coração que esconde mais do que revela seus sentimentos.
Este mesmo sentimento de perplexidade diante da passagem do tempo acredito que acontece com muitas pessoas. É real, inevitável, e inexorável, mas torna-se um convite para questionar qual nossa verdadeira identidade.
O que o tempo define?
A efemeridade do tempo é uma realidade, mas a palavra "idade" não a define, pois juventude não é questão de tempo cronológico, é questão de alma, de projetos, perspectivas e sonhos. Enquanto sonhamos e fazemos planos, o nosso espírito nos impulsiona a explorar o desconhecido e a celebrar nossa existência.
Mas nos olhamos nos espelhos!
Porém, é preciso olhar através dos espelhos, assim como Alice em seu país das maravilhas. E adentrar um lugar encantador, surreal, repleto de personagens, enigmas e situações absurdas. É espiar pela toca do coelho e mergulhar em uma nova realidade cheia de novas perspectivas, com novas regras que não se aplicam ao cotidiano anterior. É também se encantar com o que é fluido, ilógico e cheio de contradições.
Não é aceitar as mudanças, mas criar um novo cenário.
Talvez isso explique um pouco o conceito de "Adolescente Vintage": permitir que a imaginação, a criatividade e os loucos projetos que existem na adolescência estejam presentes nesta nova etapa da vida, revelando a satisfação de vencer novos desafios.
Retrato [Cecília Meireles]
Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio tão amargo.
Eu não tinha estas mãos tão sem força, Tão paradas e frias e mortas; Eu não tinha este coração Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança, Tão simples, tão certa, tão fácil: – Em que espelho ficou retida a minha face?
Viagem (1939)
Comments